Infelizmente, algumas igrejas no
país, especialmente aquelas de ramo pentecostal e neopentecostal possuem um
discurso muito triunfalista em relação à vida, e isso é muito danoso para a
maioria da população de um país que ainda carece de muitos recursos, tanto
financeiros, quanto afetivos e educacionais.
Se você já ouviu uma destas
frases, ao freqüentar uma igreja, você vai entender do que eu estou falando:
“Somos mais do
que vencedores em Cristo Jesus”;
“Não estamos
em Crise, estamos em Cristo”;
“Em Deus não
há depressão”;
“Jesus nos
chamou para reinar em vida”;
“Eu comerei o
melhor desta terra”;
“Onde eu
colocar a planta do meu pé eu conquistarei”.
Este é um conjunto de frases de
efeito que são ditas nos púlpitos das igrejas brasileiras que, desprovidos de
um contexto interpretativo da Bíblia, livro de fé dos cristãos, causam mais
problemas do que geram algum tipo de iluminação espiritual. Mas é possível uma
pessoa acreditar genuinamente em Deus e sofrer? É CLARO QUE SIM! E quero
mostrar por meio de um conjunto de argumentos lógicos, e ainda vou citar os
versículos da Bíblia que são ignorados pela maioria dos líderes religiosos.
“Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”
Esta é uma passagem bíblica
registrada no evangelho de Lucas 20:25, onde a tônica da mensagem é a
necessidade de se fazer separação entre as coisas espirituais das coisas
terrenas: ora, quão atual ainda é esta mensagem?! Existe muita gente que ainda
confunde as coisas, atribuindo causas espirituais para coisas que são
psicológicas.
O que tem de gente dentro das
igrejas que ainda não fez a separação entre coisas psicológicas e coisas
espirituais não está no gibi! O próprio Apóstolo Paulo no século I, lá por
volta do ano 40 d.C. já fazia a separação entre corpo, alma e espírito:
“E o mesmo
Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo,
sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo” 1 Tessalonicenses 5:23
Ora, se o próprio Paulão de Tarso,
estudado na literatura grega da época já separava o “joio do trigo”, porque
você hoje, cheio de recursos tecnológicos e com conhecimento de sobra mão pode
seguir o exemplo?
O homem tripartido
Sim, os hebreus de antigamente
tinham uma representação psicológica a respeito do homem. Eles não
espiritualizavam todas as coisas. Desde Moisés, que escreveu o livro de Gênesis
por volta de 1400 a. C., já tinha uma ideia de que o homem era constituído de 3
partes: o corpo físico, em que faz alusão ao barro ou pó da terra; o espírito,
que era composto de ar, em alusão ao sopro divino; e a alma, como resultado do
encontro entre corpo e espírito.
“E formou o
Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas
narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” Gênesis 2:7
Ressalto que, no hebraico
original deste texto, a palavra utilizada para “sopro” é a mesma para “espírito”
(heb.: ruah). Então, há quase 3500 anos, os hebreus já tinha noção de que há
uma separação clara entre espiritualidade e psiquismo. Mas, como o mundo da
voltas...
... assim como muitos teólogos
desprezaram a existência de um psiquismo humano, a ciência, em seu advento
acabou por ignorar a possibilidade da existência de uma substância ou de um
ente virtual diferente daquilo que se conhece por mente, consciência,
inconsciente, alma, ou coisa do gênero. Os primeiros filósofos do mundo viam o
homem em três partes, os últimos viam corpo-mente, em uma clara herança do
dualismo cartesiano.
Mas hoje, feliz ou infelizmente, já
existem correntes de pensamento filosóficas que adentraram a psicologia
dando-nos a possibilidade de pensar o homem também como um ser espiritual. Mas
como este assunto é bem longo, vou deixa para outro momento.
O homem e o sofrimento
O tema do sofrimento não é novo
nas discussões a respeito de Deus. O próprio Moisés, ao escrever o livro de
Gênesis, na narrativa sobre a expulsão do paraíso, fala sobre Deus amaldiçoando
a humanidade ao sofrimento:
“E à mulher
disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à
luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão
disse: Porquanto destes ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que
te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com
dor comerás dela todos os dias da tua vida” Gênesis 3:16,17
Ou seja, a teologia do pecado nos
fala que a humanidade foi condenada ao sofrimento. E a teologia da graça nos
fala que a redenção veio por meio de mais sofrimento:
“Pois assim
como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação,
assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para
justificação de vida” Romanos 5:18
Logo, o sofrimento de Cristo veio
para que, espiritualmente cessasse o
sofrimento humano. MAS...
Isso não diz respeito ao
sofrimento PSÍQUICO! Veja só:
“Tenho-vos
dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom
ânimo, eu venci o mundo” João 16:33
“Lembrai-vos,
porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportastes
grande combate de aflições” Hebreus 10:32
“Ao qual
resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos
irmãos no mundo” 1 Pedro 5:9
E para finalizar, ainda há um
versículo que acho muito interessante, que diz o seguinte:
“Se esperamos
em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” 1
Coríntios 15:19
Ou seja, as promessas teológicas
de abundância, vitória, vida plena, são reservadas não a esta vida, mas à
vindoura, para aqueles que acreditam nisto! Logo, aqui nesta terra o pau vai
quebrar, a jiripoca vai piar e a bicho vai pegar! A humanidade precisa lidar
com a dor porque, por meio dela é que se torna possível ter um contraponto para
a utopia da felicidade abundante: se não houve tristeza, como saberíamos que
existe felicidade?
Logo...
Não tenha preconceitos, se você
identificar que existem questões emocionais que não estão muito bem em você,
como dificuldades de relacionamento, ou um humor deprimido, problemas com
ansiedade ou várias outras dificuldades, pense que não será com oração que você
vai resolver isso!
Você pode ter alguém com quem se
aconselhar em relação às suas questões espirituais, isso faz parte da
convivência em uma comunidade religiosa, mas é importante que você procure um
profissional que entende de coisas da mente também. Afinal de contas, já vimos
que precisamos separar o espiritual do psicológico para aprender a lidar com o
sofrimento.
Por tais coisas apresentadas é
que preciso dizer: um cristão sofre
porque é humano como qualquer outro, não possui um super poder só porque
acredita em Deus... acreditar nisso é tolice, inocência ou arrogância. Mas
assim como, para qualquer outra pessoa no mundo, a psicologia também está a
serviço daqueles que acreditam em um Deus... você não precisa renunciar à sua
fé para buscar apoio de um profissional de psicologia.
Lembre-se do que foi escrito:
“Rogo-vos,
pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.
E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” Romanos 12:1,2 (Grifos meus).
E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” Romanos 12:1,2 (Grifos meus).
O culto à Deus é racional, e
depende da renovação constante do seu entendimento, então, procure um
psicólogo!
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Murillo Rodrigues dos Santos, psicólogo (CRP 09/9447) graduado pela PUC Goiás (Brasil), mestre em psicologia pela UFG. Doutorando em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB.
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