O título deste texto, ainda que
engraçado, não tem a menor intenção de soar ofensivo, se for isso que você está
pensando, mas o de demonstrar um tipo de sofrimento psicológico que afeta uma
parcela significativa de pessoas que procuram o consultório de psicologia e que
em muitos momentos não conseguem encontrar respostas às suas perguntas, e por pensarem que por possuírem uma fé em algum deus, devem sempre ter uma vida feliz, próspera e livre de problemas.
Por mais que se expresse em diferentes
graus, o Brasil é um dos países mais religiosos do mundo: 64,5% da população é
católica, 22,2% evangélica, 2% espírita, e apesar de as outras religiões não
pontuarem significativamente no Censo 2010 do IBGE, o país é ninho de uma das
maiores diversidades religiosas do planeta.
Os evangélicos, por exemplo, são
a parcela da população que mais cresce no país, e se expressam por meio de
várias denominações: algumas vão das mais históricas e tradicionais, outras das
mais pentecostais ao neopentecostalismo. A questão é: existem traços culturais
e/ou padrões de comportamento destas populações que são influenciados por
fatores religiosos? Sim! É óbvio que sim!
O problema é que os fatores
religiosos da formação de personalidade ou de padrões de comportamento
raramente são estudados na psicologia, por simples preconceito pessoal ou
acadêmico em muitos momentos, ou mesmo pelo desconhecimento das possibilidades:
existe um ramo inteiro do conhecimento psicológico, chamado de Psicologia da Religião, que tem como
objetivo estudar como se forma e se expressa o comportamento religioso dos indivíduos
e grupos.
Justamente por entender um pouco
deste assunto, depois de alguns anos de estudos e pesquisas, é que pude
perceber na interface com a psicologia clínica, um tipo de padrão de
comportamento muito comum entre os religiosos mais “pentecostais”, sejam
católicos, evangélicos ou espíritas: o pensamento
mágico de que por terem a fé A ou B se tornaram automaticamente imunes à
algumas intempéries da vida.
Um exemplo clássico disso é o
preconceito de uma parte de religiosos que pensam que depressão é “falta de fé”,
e ainda depois de ouvirem padres, pastores e outros líderes religiosos dando
seu testemunho de que precisaram de apoio psicólogo, geram pensamentos de que “talvez
o pastor estivesse em pecado, afastado de Deus”. Isso é relativamente comum e
assustador, de um ponto de vista técnico.
Mas como a gente que é “psicólogo
da Silva” pode entender estes comportamentos? Tudo isso se deve a dois fatores:
1) Teologia distorcida; 2) Marketing de massa. O fator número 1
diz respeito à repetição contínua de frases como “somos mais do que vencedores
em Cristo Jesus”, “em Deus não há crise”, “Tudo posso n’Aquele que me fortalece”
ou “Deus já decretou a vitória”, etc, etc, etc. Nós sabemos que nossos
pensamentos são indissociáveis da nossa fala, e este tipo de repetição gera um
pensamento mágico de indestrutibilidade que não se confirma na vida cotidiana,
gerando um óbvio resultado de sofrimento psíquico na maioria das vezes. E, em
relação ao fator 2, é preciso entender que existem muitas denominações
religiosas que possuem marketing e interesses (até mesmo comerciais) bastante
claros: mostrar para as pessoas que depois de ter entrado para aquela
congregação a vida da pessoa se transformou em um passe de mágica.
Uma fé saudável é aquela que
ajuda a pessoa entender que acreditar em Deus, Jesus, Buda, Maria, Maomé não
significa ter um passaporte automático que te transporta para uma Disneylândia psicológica
ou espiritual – a vida é um lugar de aprendizagem, e esta, muitas vezes, é recheada
de angústia, dor e sofrimento. Repare que não estou escrevendo isso para
desfazer da fé de ninguém, pelo contrário, a
psicologia pode ajudar as pessoas a terem uma fé mais saudável.
A questão é que a gente precisa
sempre lembrar de nossa condição humana e reconhecer as nossas dificuldades,
saber que o sofrimento, a dor, dificuldade, as dúvidas e confusões virão em
nossa vida, inevitavelmente. A questão é que podemos passar por tudo isso com
uma postura aberta à aprendizagem e ao contato com o outro: será necessário
pedir ajuda, “compartilhar as cargas”, pois o amor, o afeto, tem um poder
curativo incontável.
Desta forma, o objetivo deste
texto é lembrar que, mesmo que acreditemos piamente em algo, com sinceridade e bondade
de coração, é preciso lembrar que a fé se aperfeiçoa também na dificuldade, e
que é necessário ter uma postura empática para com a vida. Se você está
sofrendo por algo, não se culpe, pode não ser “falta de fé”, pode ser apenas
falta de perspectiva. E por isso a nossa missão, enquanto psicólogos é, mesmo
que não acreditemos em nenhuma vírgula do que você acredite, respeitar e
fazer o possível e o melhor para entender, acolher e te ajudar a aperfeiçoar,
com toda ética, técnica, amor e cuidado.
Por isso, não tenha medo do
psicólogo, assim como você não é um Power ranger, a gente também não é um vilão
de desenho animado, e podemos te ajudar bastante. Boa sorte, e um abraço!
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Sobre o autor:
Murillo Rodrigues dos Santos (CRP 09/9447), psicólogo graduado pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Brasil), com formação em Terapia de
Casais e Famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Mestre em
Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Doutorando em
Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (Brasil), com
formações em Gestão e Empreendedorismo pela Fondattion Finnovarregio (Bélgica),
Fundação Getúlio Vargas (Brasil), Fundação Estudar (Brasil), Brown University
(EUA) e Harvard University (EUA). Diretor do Instituto Psicologia Goiânia. Conselheiro
do Conselho Regional de Psicologia, onde preside as Comissões de Psicologia
Clínica e de Psicologia Organizacional. Pesquisador em Psicologia da Religião. Atende
adultos, casais, famílias e grupos com ênfase na Teoria da Complexidade.
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