Nem todo término de relacionamento é um fracasso afetivo




O interessante de ser psicólogo de casais é o fato de você ver e perceber muita coisa que existe em uma relação entre diferentes tipos de casais, e as crenças que existem nas pessoas em relação aos seus próprios relacionamentos, e uma delas é a de que um relacionamento só é bem sucedido se você chegar ao final da vida ao lado de uma pessoa que você jurou votos de amor eterno.

Nós vivemos uma sociedade romantizada, daquelas cujo nível de romantismo varia de crenças saudáveis sobre a vida a dois às fantasias disfuncionais sobre parceiros e relacionamentos idealizados que nunca poderão ser realizados. Isso ocorre, em grande parte, porque desde muito pequenos já somos ensinados por meio de contos de fadas de que encontraremos um príncipe ou princesa encantados e que viveremos felizes para sempre, e crescemos vendo filmes holywoodianos onde o galã encontra a mocinha e os dois passam por uma série de aventuras, etc, etc, etc.

Esse padrão de ensino afetivo-televisivo-conto-de-fadas ajuda a gerar uma crença disfuncional de que ter uma vida feliz em um relacionamento é ter ausência de brigas ou de tristezas, ou que a pessoa ideal será aquela que se encaixará perfeitamente no que somos e nos completará. Se você é uma pessoa que acredita nisso, eu tenho uma novidade para você: a vida não é um comercial de margarina onde todo mundo é lindo e sorridente.

É comum escutarmos nos consultórios de psicologia “nós dois somos muito diferentes”... BINGO! Isso é óbvio campeão! Todas as pessoas são diferentes, inevitavelmente, o que acontece é que algumas pessoas aprendem a fazer as diferenças serem respeitadas (ou toleráveis). Ser diferente não quer dizer ser incompatível!

Daí o fato de que não acreditar muito no fato de as pessoas dizerem que terminaram um relacionamento porque “éramos muito diferentes”, isso não é fato contrário a um relacionamento, é na verdade pré-requisito para se relacionar, pois estar com outra pessoa não significa abrir mão de sua singularidade. A questão é que casais terminam relacionamentos por uma série de motivos, e o objetivo deste texto não é dizer porque os casais terminam, mas talvez sobre como eles podem terminar.

O que Deus uniu o homem não separa

Vivemos em uma sociedade que dita e que opera em valores morais e culturais, e um deles advém dos votos de casamento que passamos a vida inteira escutando: “o que Deus uniu que o homem não separe”, e esta é uma das maiores queixas que escuto em casais que sofrem.


“A gente não se ama mais, mas estamos acorrentados em nossos votos de casamentos, juramos no altar, foi Deus que uniu a gente”

Independentemente de entrar no mérito da crença de alguém, meu objetivo não é questionar se você acredita que Deus une ou não une, mas o que eu quero colocar é o seguinte fato: na existência de um Deus, ser superior, soberano, etc, etc, etc, quem garante que foi ele que uniu um relacionamento? Só porque uma pessoa, ser humano mortal, feito de carne e osso, intitulado “sacerdote”, fez uma cerimônia ou ritual, para duas pessoas juntarem-se socialmente quer dizer que Deus uniu? Eu acho que não! E acho por alguns motivos:

1) Não existe uma “casta” de sacerdotes no cristianismo: a própria Bíblia, usada por 80% dos brasileiros em algum momento de suas crenças, é clara ao afirmar que na filosofia do cristianismo o sacerdócio é de todo o cristão, não somente do clérigo, ou seja, não há separação entre sacerdotes e leigos. Todos os cristãos são “sacerdotedes” diante de seu Deus, em um relacionamento pessoal de fé (I Pedro 2:9). Logo, não há em um padre, pastor, bispo, apóstolo ou qualquer que seja o nome, qualquer tipo de superpoder espiritual que ateste nada, o que me leva ao segundo ponto;

2) Ninguém é despachante celestial para atestar ou não a vontade absoluta de Deus, ou seja, não há uma pessoa que seja um cartorário executivo do céu para dizer quem Deus uniu ou não uniu. O que existe, na verdade, são pessoas que, como líderes religiosos, dedicam sua vida ao ensino doutrinário de questões relacionadas à fé, mas por uma questão de pura e simples organização institucional. Um “líder” religioso não é mais ou menos “poderoso” ou “íntimo” perante a divindade.

Logo, não é o simples fato de ter passado por um cerimonial com vestido e buquê, festa e juramento, que faz com que seu relacionamento seja aprovado ou desaprovado por Deus... o que existe é um relacionamento que está em constante fase de aprovação. Hã? Explico! O casamento ou um namoro, noivado, etc, é um processo em que as pessoas precisam entrar em constante processo de entendimento mútuo – a própria Bíblia, que é usada pelas pessoas mais resistentes e que vivem dizendo “o que pode e o que não pode” afirma que o relacionamento em um casamento, seja sexual ou não, dentro de um casamento, pode ser reprovável (Hebreus 13:4; I Pedro 3:7).

O que eu quero dizer com isso é o seguinte: muitas uniões são construídas sob fantasias de “como deveria ser” e na verdade, ao se deparar com a realidade, acumulam uma série de decepções que, não trabalhadas da forma correta geram intenso sofrimento psicológico. E tem muita gente pensando que ter um casamento abusivo faz parte de uma missão de “Deus para provar sua fé”, mas que no fim acaba sendo uma crença aprisionadora que gera sofrimento. O cristianismo tem como uma de suas bases filosóficas a liberdade e a leveza:

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” João 8:32

Tudo na vida tem começo, meio e fim; todo contrato tem um distrato: para alguns será a separação no leito de morte, para outros será uma separação longa e dolorosa em vida (às vezes de pessoas que estão juntas porém separadas de coração), para outros poderá ser uma saída madura e respeitosa: nem toda separação é fruto de uma frustração, mas pode ser de um processo de amadurecimento da compreensão que duas pessoas possuem de seus limites e de seus propósitos.

E quando a gente amadurece para a liberdade, aprende que uma promessa não significa uma prisão, então, mesmo tendo jurado qualquer outra coisa eterna, é melhor entender que tal juramento só faz sentido quando há sinceridade e amor suficiente para que isto seja levado adiante com legitimidade, e não como condenação à um sofrimento eterno. A liberdade e a felicidade estão acima de qualquer promessa.

Não escrevi este texto com o sentido de desafiar a crença de ninguém, mas de colocar um ponto de vista sobre uma questão polêmica, e que esta pode ser enxergada sob outro ângulo: nem toda separação é um atestado de fracasso emocional, mas pode também ser o momento em que criou-se consciência e maturidade do espaço de cada relacionamento em sua vida.
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Sobre o autor:

Murillo Rodrigues dos Santos, psicólogo (CRP 09/9447) graduado pela PUC Goiás (Brasil), com formação em terapia de casais e famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil), com formações pela Fundación Botín (Espanha) e pela Brown University (EUA) e Harvard University (EUA).

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