Estou há muitos anos trabalhando
com psicologia da religião, e tenho me deparado com várias pessoas que estão em
sofrimento psíquico gravíssimo por conta de prisões emocionais que são geradas
em seus relacionamento com seus líderes religiosos. Este assunto é muito pouco
desenvolvido na psicologia, muito menos ainda dentro das próprias instituições
religiosas onde a maioria das pessoas frequenta.
A grande maioria da população no
Brasil é cristã, entre suas variantes, os mais comuns são católicos e
evangélicos: ocupam 86,8% do povo brasileiro segundo o censo de 2010 do IBGE.
Esse dado ainda parece ser bastante desprezado pela maioria dos psicólogos
pesquisadores brasileiros – o cristianismo é uma das fontes da
subjetividade social brasileira, e precisa ser estudado.
Um dos elementos mais
interessantes do cristianismo é que ele é multiforme, ou seja, nem todo cristão
é igual, apesar de em sua maioria seguirem princípios comuns: católicos são
diferentes de evangélicos, pentecostais são diferentes de protestantes
históricos, batistas são diferentes de assembleianos. Um elemento que é
encontrado em várias vertentes do cristianismo é a ênfase na obediência, e
alguns destes segmentos acabam por utilizar deste princípio para,
psicologicamente, manipular seus seguidores em prol de vantagens econômicas,
políticas, sexuais, dentre outras – note que eu não estou generalizando.
Já escutei vários relatos de
cristãos, dentro ou fora de meu consultório, que estavam sofrendo porque seu
pastor, padre, líder, ou qualquer outro nome que se dê, havia dito alguma coisa
que se a pessoa fizesse ela iria sofrer, como por exemplo: “Fulana, se você
fizer isso Deus vai te castigar e você vai sofrer”, ou coisas do gênero. Não
quero entrar em pontos teológicos aqui, ou discutir qualquer doutrina, Bíblia
ou qualquer outro livro sagrado, mas quero levantar três pontos de reflexão
sobre psicologia, sofrimento humano e cristianismo.
Observação: terei que usar alguns trechos da Bíblia (não tenho como objetivo fazer isso como se fosse uma pregação, só quero mostrar os pontos que embasam minhas opiniões, ok pessoal?!).
Observação: terei que usar alguns trechos da Bíblia (não tenho como objetivo fazer isso como se fosse uma pregação, só quero mostrar os pontos que embasam minhas opiniões, ok pessoal?!).
PRIMEIRO PONTO: eu não vejo o
cristianismo como uma religião. O Cristianismo é uma proposta filosófica para
melhorar a qualidade de vida das pessoas, que surgiu no século I, e que tem
mudado vidas e histórias ao redor dos séculos. O problema é que o Cristianismo
acabou se pervertendo, ciclicamente, e de igual forma vem passando por cíclicos
períodos de reinvenção e libertação.
A filosofia do cristianismo é
clara ao trazer uma proposta de religação do homem à ideia de Deus por meio da
prática do amor para com o próximo:
“Se alguém afirmar: “Eu amo a Deus”, mas odiar seu irmão, é mentira,
pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.
Ele nos deu este mandamento: quem ama a Deus, ame também a seu irmão” I João 4:
20-21
Sendo assim, com o passar de dois
mil anos, o que era um tipo de filosofia orgânica, nascida na Judéia foi
recebendo interpolações, adulterações de todos os tipos, e se transformou em um
hidra de várias cabeças com diversidade de problemas e foi, em muitos momentos
da história, pervertendo a filosofia original deste movimento orgânico. O
cristianismo não nasceu para ser uma religião, ele é em verdade um movimento
antirreligioso (vou trabalhar isso no ponto três). Onde eu chegarei no próximo
ponto...
SEGUNDO PONTO: o
cristianismo é uma filosofia de libertação da humanidade pelo amor –
ele não nasceu para estabelecer uma série de rituais ou dogmas para que as
pessoas obedecessem cegamente. Tanto que os conceitos de liberdade foram
centrais na origem do cristianismo:
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” João 8:32
Essa frase é muito conhecida nos
meios religiosos e não religiosos, mas a profundidade filosófica disto ainda é
muito pouco explorada: o cristianismo é uma filosofia que tem como objetivo, no
comportamento humano, trabalhar um conjunto de virtudes com a finalidade de fomentar
a fraternidade na sociedade. Onde eu coloco o terceiro ponto...
TERCEIRO PONTO: Jesus reprovava os religiosos – sim, todos os registros que temos de seus discípulos mostram
que ele tecia pesadas críticas aos fariseus e saduceus, que eram os grupos responsáveis
pela liturgia e ensino da religião judaica.
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes
aos sepulcros caiados, que
por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de
mortos e de toda a imundícia” Mateus 23: 27
Ou seja, ele sempre denunciou a
hipocrisia dos religiosos julgadores e que não produziam nada! Tanto que um dos
pontos mais combatidos na filosofia do cristianismo é a religiosidade! O que
vem a ser isso? É um conjunto de comportamentos meramente legalistas, que se
apropria de “leis” para afirmar o que uma pessoa pode ou não pode fazer:
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa
dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados,
Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo.
Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão,
E não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus.
Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como:
Não toques, não proves, não manuseies?
As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens;
As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne”
Colossenses 2:16-23
Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo.
Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão,
E não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus.
Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como:
Não toques, não proves, não manuseies?
As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens;
As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne”
Colossenses 2:16-23
Desta feita, o que eu quero
dizer: o religioso que sofre de religiosidade, me desculpe o termo, é um caga-regras, ou seja, uma pessoa
que se julga moralmente superior aos outros, portador de uma sabedoria
horizontalizada, que possui uma “revelação divina” especial para dizer o que
você pode ou não pode fazer. Este tipo de pessoa, geralmente apela para uma
falácia clássica da filosofia, o argumento ad verecundiam, que significa
argumento de autoridade, do tipo: “sou um profeta de Deus” ou “não toqueis no
ungido do Senhor”... essas frases em um contexto onde impera um tipo de poder
horizontalizado tem grande potencial de gerar medo nas pessoas.
Note bem uma diferença: você pode
ser uma pessoa “religiosa” que não sofre de religiosidade – lembre-se bem, o
cristianismo abomina a religião, ele não quer ser uma religião, mas
infelizmente foi feito uma por pessoas que tem as mais diversas intenções com
isso.
Eu tenho percebido uma coisa que
ajuda as pessoas a identificarem com mais facilidade os que sofrem de
religiosidade: eles não têm senso de humor. Sim, são pessoas que, na grande
maioria das vezes não possuem a capacidade de relevar coisas simples,
brincadeiras, piadas, ou qualquer outra coisa despretensiosa. Mas porque disso?
Geralmente são pessoas que possuem uma tremenda dificuldade de ver a leveza da
vida, e por isso, acabam por, inconscientemente transferir todo o peso de sua
própria vida para aqueles que estão ao seu redor.
Note que a minha intenção não é
generalizar todos os religiosos, falar mal da religião A ou B, mas colocar um
ponto de vista baseado na observação de padrões de comportamento e na lógica
clássica básica. Então, pergunte-se: a pessoa que você segue tem a capacidade
de rir das besteiras da vida? Ela consegue ter bom humor diante das
contradições? Ela consegue receber críticas e discordâncias de terceiros sem
maldizer ou “advogar a autoridade espiritual” para tentar convencer?
Estes pontos, creio eu, são
extremamente importantes para refletirmos se nossos líderes estão sendo
honestos, justos e amorosos, ou se estão apenas sendo “manés” mesmos, gente
religiosa travestida de gente inspirada... pense nisso.
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Sobre o autor:
Murillo Rodrigues dos Santos, é
psicólogo (CRP 09/9447), mestre em Psicologia, psicoterapeuta e consultor empresarial.
Pesquisador em psicologia da religião. Diretor do Instituto Psicologia Goiânia.
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