A psicologia e os fanáticos por abordagens
Quanto mais velho eu vou ficando nesse negócio de psicologia, mais rabugento me torno, penso eu... digo isto porque a cada vez que um psicólogo, ou estudante de psicologia, diz que a “minha abordagem é a única verdadeira” eu reviro os olhos me recordando dos discursos das seitas religiosas que pregam que a salvação é única e exclusiva daquele grupo, pois a VERDADE, em letras maiúsculas e garrafais não existe fora daquele povo ungido, escolhido por Deus para propagar uma mensagem única ao povo...
Há uma diferença
fundamental entre fé e fanatismo, que é o grau de abertura afetiva e cognitiva
de um indivíduo diante da possibilidade do erro. E porque estou falando disso?!
Porque muitas vezes, a ciência se trata de um ato de fé. Em 1916, por exemplo,
Einstein
previu em suas teorias a
existência de ondas gravitacionais, coisa que naquela época ele não tinha a
menor condição empírica de provar, e que só foram detectadas um século depois,
em 2016... a ciência muitas vezes se baseia em premissas que são improváveis
naquele momento, mas que são necessárias para a manutenção de sua coerência.
Isso é mais comum do que se imagina!
O próprio empirismo é
baseado em duas premissas fundamentais: 1) Só são aceitas como verdades
eventos/fenômenos autoevidentes; 2) Só são aceitos como verdades
eventos/fenômenos passíveis de verificação por meio dos órgãos sensoriais. Mas
o caso é que essas duas premissas não são nem autoevidentes, nem passíveis de
experimentação. Elas sobrevivem por causa da lógica! A boa e velha lógica que
muitas vezes é solapada por professores sugadores de cérebro e produtores de discípulos
que são reprodutores de suas premissas afetivas.
Daí é quando eu, que
já sou vesgo, reviro ainda mais os olhos para quando ouço um “psicologia
baseada em evidências”... Evidências pra quem, cara pálida? Basta pegar os estudos
que versam sobre CODIFICAÇÃO INDIFERENCIADA que foram tratados por gênios como
Humberto Maturana, Ernst Von Glasersfeld e Heinz Von Foerster para ver que
muitas das nossas “evidências” podem ser facilmente contestadas como criações
de nossos próprios cérebros. Não isso não se trata de uma viagem como se estivéssemos
em um filme Matrix, em que produzimos tudo ao nosso redor, mas se trata da boa
e simples lógica que sempre existiu para questionar nossos fundamentos.
Edgar Morin tem uma
citação que eu acho fantástica: “toda lógica que tenta encerrar o mundo em seus
conceitos é uma abstração demente”. A ciência é a filha da filosofia, e dela
subsiste. A questão das “evidências” não é tão evidente quanto parece.
Então, em uma ciência
altamente fragmentada, com pelo menos uns 500 tipos de abordagens teóricas que
estão diuturnamente trabalhando para construir uma viabilidade explicativa
sobre o humano, a sua abordagem, linda e maravilha, é a única e perfeita
existente, soberana sobre as outras, o alecrim dourado que nasceu no campo sem
ser semeado. Abordagem é um ponto de partida, não o caminho todo.
Não estou dizendo que
não se deve ter uma abordagem, o que eu estou dizendo é que essa sanha toda de
ser ÚNICA E EXCLUSIVA em uma ciência INTERPRETATIVA como é a psicologia, não
parece ser coisa saudável. A psicologia é uma ciência híbrida, ela tem traços de
ciências da natureza, mas não é uma ciência da natureza, tem traços de ciência
social, mas não é uma ciência social, tem traços de uma ciência exata, mas não
é uma ciência exata, tem traços de ser uma ciência da saúde, mas não é uma
ciência da saúde... “mas o que ela é então, Murillo?” Ela é tudo isto! Nós
fomos treinados para simplificar processos complexos, e tentar encontrar um
princípio explicativo uno para tudo, e bugamos nossa cabeça quando encontramos
fenômenos complexos (daqueles que são multicausais e multifacetados)... Só
precisamos melhorar isto, entender de uma vez por todas que a psicologia não
cabe em uma só caixinha, ela é uma fábrica de caixas, e cada um escolhe aquela
que julgar mais conveniente e se apega a ela.
Isso significa que a
psicologia é uma ciência complexa, detentora de uma lógica e/e, do terceiro
incluído, e não ou/ou.
Fim.
P.S.: Este texto não
precisa de um final espetacular.
Indicações de leitura
pra entender essa bagaça aí acima: “O método 4: as ideias” de Edgar Morin.
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